terça-feira, 2 de junho de 2009

Artrite piogênica aguda

O que é?
A artrite séptica ou artrite infecciosa ou artrite piogênica é uma doença aguda, agressiva, de alta morbidade, que pode evoluir com comprometimento sistêmico importante, com risco da própria vida.

Segundo Paterson (9), no início dos séculos XVII e XVIII, o principal interesse dos cirurgiões frente a artrite séptica era salvar a vida do paciente através da amputação do membro afetado.

Thomas Smith (12), em 1874, deu ênfase à doença, demonstrando que crianças portadoras de infecção articular tinham grande risco de vida ou de seqüelas graves e incapacitantes. Foi no início do século XX que o objetivo do tratamento passou a ser a preservação da função articular (9). O uso de antibióticos diminuiu a mortalidade, embora a morbidade permanecesse elevada(5).

O prognóstico

O prognóstico da doença esta intimamente relacionado ao tempo de demora no diagnóstico e ao tratamento empregado (8,10). Persistem divergências quanto ao tratamento, havendo preferência de alguns para punção articular (11) e de outros para artrotomia e drenagem(3).

O objetivo deste estudo é a revisão clínica de 79 pacientes portadores de artrite séptica em 80 articulações, que foram tratados, no período de 1976 a 1987, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, procurando estabelecer relação entre o início dos sintomas e o início do tratamento, localização e resultados.

CASUÍSTICA
De janeiro de 1976 a dezembro de 1987, foram tratados no Hospital Universitário Pedro Ernesto 79 pacientes com artrite séptica na fase aguda. Em um paciente, houve acometimento de duas articulações. Nos demais casos (98,7% do total), a doença foi monoarticular. Fo-ram revistos 60 pacientes com 61 articulações acometidas.

A idade dos pacientes variou entre nove dias e 59 anos, a maior parte (65,8%) abaixo de dez anos. O sexo masculino foi mais acometido, com 47 casos (59,5%).

A articulação mais acometida foi o joelho, com 39 casos (42,5%), seguida do quadril, com 29 (36,3%), cotovelo, com sete (8,7%), tornozelo, com cinco (6,2%), punho, com três (3,8%), e mão, com dois casos (2,5%).

Os pacientes foram internados, em caráter de urgência, no momento do diagnóstico clínico.

A investigação laboratorial incluiu hemograma completo, VHS, cultura do líquido sinovial, hemocultura e, em alguns casos, cultura de lesões sépticas da orofaringe, cordão umbilical e radiografias.

A cintilografia óssea foi feita na suspeição de múltiplos focos de infecção. O tratamento de sustentação incluiu hidratação venosa, antitérmicos e antibioticoterapia.

O tratamento

O tratamento total consistiu de punção articular esvaziadora de alívio, artrotomia, drenagem com irrigação articular seguida de imobilização gessada por seis semanas.

O controle da evolução foi feito pela avaliação clínica local, sistêmica e exames laboratoriais (VHS e leucograma). Após a alta hospitalar, a maioria dos pacientes foi revista a cada três meses, durante o primeiro ano. O tempo mínimo de seguimento foi de um ano, com média de 3,8 anos.

Resultados

Dos 60 pacientes revistos, 18 (30%) iniciaram tratamento antes do 5º dia de evolução dos sintomas. Destes, um total de 13 pacientes iniciou o tratamento antes de decorridos três dias do aparecimento dos sintomas. Quarenta e dois pacientes (70%) iniciararn o tratamento a partir do 6º dia de evolução dos sintomas.

A cultura do líquido sinovial foi positiva em 60% dos casos, sendo o germe mais frequente o Staphylococcus aureus (51% das culturas positivas). Os outros germes gram-positivos corresponderam a 33% e os gramnegativos, a 16% dos casos.

Houve um predomínio de gram-negativos nos pacientes com idade entre zero e um ano. O Staphylococcus au-reus predominou nas outras faixas etárias (quadro 1).

Os resultados do tratamento foram divididos em três grupos clínicos-radiológicos: ótimo — articulação afetada sem dor; mobilidade e estabilidade iguais à articulação contralateral; radiografia normal; bom — restrição da mobilidade articular; ausência de dor; radiografias normais; ruim — seqüela incapacitante; dor articular; com ou sem radiografias indicando mau prognóstico a longo prazo.
Das 61 articulações revistas, 39 (65%) obtiveram resultados ótimos, 11 (18,3%), bons e dez (16,7%) evoluíram para resultados ruins.

A relação entre o dia de drenagem, o início dos sintomas e as articulares acometidas, em função dos resultados obtidos, encontra-se no quadro 2. Houve maior incidência de ótimos e bons resultados quando a drenagem foi efetuada até o 5: dia (94,4%), chegando a 100% de ótimos resultados quando drenados antes do 3º dia. Nas drenagens feitas a partir do 6º dia, este resultado cai para 79,1%.

Discusão

O tratamento preconizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto consiste em realizar precocemente artrotomia e drenagem em todas as articulações. É semelhante aos trabalhos analisados (1,3,6-10,13,14) . Paterson(9), em ,seu fundamental artigo de 1970, afirma que cada hora de atraso no diagnóstico tem significância no prognóstico. Lloyd-Roberts (6), em 1971, afirmava que a indicação do tratamento de urgência e requerida na certeza, na probabilidade e mesmo na possibilidade de infecção articular. Somos também da opinião de que em caso de dúvida é sempre preferível abrir a articulação. Assim, certamente, ocorrerão algumas artrotomias brancas, porém, em compensação, não se deixará de drenar nenhuma articulação infectada. Com o acúmulo de experiência, o número de artrotomias desnecessárias vai diminuindo. Essa conduta é contestada por alguns autores(4,11,13) . Em nossa opinião, só a drenagem a céu aberto e capaz de promover uma perfeita retirada de todo o exsudato intra-articular. A aspiração não permite tal retirada, uma vez que habitualmente formam-se bolsões de secreção purulenta, impedindo evacuação completa. Enfatiza-se a necessidade de drenagem, principalmente no quadril, onde a punção é de difícil execução, além da possibilidade de resultado falso-negativo. Com a punção, a tensão volta a existir, sendo necessária a repetição sucessiva, que é dolorosa e requer anestesia geral em crianças. A melhor ocasião para se fazer a drenagem é controvertida: os ortopedistas preferem fazê-la imediatamente, enquanto reumatologistas e pediatras preferem aspirar e aguardar 48 horas em uso de antibióticos e imobilização(2,10).

Atualmente, é unâmime a posição em relação à necessidade de diagnóstico precoce e antibióticos sistêmicos, que mantêm bom nível articular, tornando desnecessário o uso local(8). O uso por seis semanas é defendido, porque há evidências de que a osteomielite aguda evolui melhor com longa antibioticoterapia e, em muitos casos, no quadril, a artrite começa com infecção óssea. A imobilização no pós-operatório é defendida na maioria dos artigos revistos, seja com imobilização gessada ou em tração. Preferimos o gessado em posição funcional, prevenindo sequelas de instabilidade. A tração prolonga o tempo de internação, porém evita o espasmo muscular, prevenindo contraturas e posições viciosas, diminui a pressão entre as superfícies articulares e possibilita a colocação de calor, que é útil para aqueles que advogam o tratamento por aspirações repetidas (2).

Deixarmos para o final a observação de maior significado neste estudo, que foi a correlação de resultados obtidos com drenagem precoce e com drenagem tardia. Quando a drenagem foi feita até o 5º dia do início dos sintomas, tivemos 94,4% de ótimos e bom resultados. Após o 5º dia, esse perceptual foi de 79,1%. Paterson(9) obteve 100% de bons resultados quando a drenagem foi feita antes do 5º dia e apenas 20% após esse dia. Ao contrário desse autor, tivemos três casos drenados até o 5º dia de evolução que não obtiveram resultado ótimo. Todos estes foram no quadril, o que reforça a tendência de pior prognóstico desta articulação. Na nos-sa série, não tivemos falha quando a drenagem ocorreu ate o 3º dia.

A filosofia do tratamento da artrite séptica na fase aguda e esterilizar a articulação retirando o material purulento, aliviar a dor e prevenir a deformidade. Atualmente, acredita-se que o diagnóstico precoce e a drenagem imediata diminuem a morbidade. A artrotomia, entretanto, não tem sido realizada e, em conseqüência, os efeitos tardios se manifestam ainda nos dias de hoje, a despeito da eficácia progressiva dos antibióticos modernos. Usando as palavras sabias de Lloyd-Roberts(6): “O tratamento conservador proporcionado pela agulha deve dar lugar aos resultados conservadores proporcionados pelo bisturi.”

Conclusões

1) Os casos de artrite séptica tratados por artrotomia e drenagem têm bons resultados na maior parte das vezes.

2) O tratamento na fase aguda apresenta melhores resultados quanto mais cedo for drenada a articulação, podendo chegar a 100% se realizado antes do 3º dia de evolução.

3) Possivelmente pela dificuldade diagnóstico, o quadril é a articulação que mais apresenta maus resultados após o tratamento.

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